Os dilemas da esquerda brasileira: o caso da votação do pacote anti-crime

Uma das mais claras limitações de nosso modelo representativo é a dificuldade de se fazer enfrentamento político no Congresso. O sistema praticamente censitário de nosso sistema eleitoral, dificulta radicalmente o acesso aos parlamentos daqueles setores da sociedade que estão comprometidos com uma agenda popular e socialista.

A decorrência se torna, portanto, lógica. O perfil social e ideológico de nosso Congresso se impõe como uma agenda conservadora, que reflete os interesses da classe dominante. A luta, portanto, se dá por políticas de conciliação onde se busca o possível e não o desejável.

Um claro retrato disso foi a votação do pacote anti-crime. Gestado no nicho mais conservador de nossa política atual, seu grande idealizador - o ex-juiz Sérgio Moro - acompanhado por meia dúzia de procuradores da justiça e, no parlamento, apoiado pelo segmento policial e miliciano, assumia definitivamente a ideologia do Estado Onipotente.

Um verdadeiro cheque em branco para reprimir, encarcerar e, se necessário, matar sem sofrer nenhuma limitação à essa saga - mistura de autoritarismo à la AI-5 e fascismo pseudo-moralista.

No embate dentro do Congresso se observou um dilema nas trincheiras dos segmentos identificados com uma proposta política mais à esquerda. O PT e o PC do B votaram majoritariamente a favor do pacote, alegando que era uma estratégia para garantir a não aprovação da excludente de ilicitude - espécie de cereja do bolo do Ministro Moro. O PSOL, por sua vez, ficou dividido. Uns apoiaram a versão final do projeto. Outros, porém, entendem que é preciso questionar o pacote como um todo!

A votação revelou que a proposta de liberação para matar não tinha chance mesmo de avançar, menos por convicção dos deputados conservadores do que por razões eleitorais. Os outros pontos polêmicos foram excluídos da proposta através do bom trabalho dos parlamentares mais à esquerda. No entanto o projeto final contém dispositivos que são indiscutivelmente perversos para os pobres e os pretos que são sempre os primeiros suspeitos e constituem a maior população carcerária do país.

A batalha agora vai para o Senado. Ali, o perfil político de seus componentes é ainda bem mais conservador e certamente a batalha vai ser muito mais dura. Primeiro para conter reversões do que foi aprovado na Câmara. E, segundo, para ampliar as garantias e o respeito ao Estado de Direito.

A pergunta que talvez caiba aqui é a seguinte: que mecanismos podemos fortalecer na sociedade civil para que ela assuma autêntico protagonismo nestes embates? Do jeito que está, estaremos condenados a nos contentar com muito pouco. Não quero desqualificar os parlamentares que tem lutado bravamente contra os retrocessos. Mas fico a pensar em como podemos fortalecer o campo progressista para que a agenda popular se imponha nesta difícil conjuntura que enfrentamos. Quem sabe o caminho não comece pelas eleições do ano que vem.

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