Balas sombrias

Nenhuma pessoa de bom senso neste país pode desconsiderar que vivemos tempos difíceis. Para além dos desafios políticos e econômicos que se abateram de forma avassaladora sobre nossa sociedade desde o golpe parlamentar-midiático de 2016, temos o crescimento de uma cultura de violência que acaba de chegar às esferas institucionais.

O episódio deste domingo, 07 de abril, envolvendo uma família de cidadãos de bem, metralhada de forma repugnante apenas vem acender de vez o sinal de alerta. Ninguém está seguro. E, dependendo da cor, essa insegurança é ainda maior. Estamos praticamente instalados em um Estado de exceção.

A lei já é algo bem distante e não exerce mais nenhum poder de coerção moral sobre as pessoas e sobre os agentes públicos, responsáveis por mantê-la e preservá-la. Embora tecnicamente estejamos vivemos fora do que se definiria como estado de guerra, já a vivemos cotidianamente. Qualquer pessoa que esteja em qualquer lugar está sujeita a riscos, nem que seja em movimento para uma celebração familiar.

Uma sociedade que tem um governador de Estado que assume que já tem snipers em ação para eliminar bandidos, certamente já abandonou qualquer esperança de ver direitos serem respeitados, mesmo o direito daqueles que estão em conflito com a lei. O Brasil definitivamente sanciona a cada dia uma pena que não consta de seus manuais penais.

Foram oitenta tiros disparados contra um veículo que, segundo a denuncia, estaria sendo ocupado por assaltantes. Esta denuncia chegou ao conhecimento dos militares e se definiu ali, com essa informação, a sorte das pessoas que ali passassem em um carro com as características descritas. O primeiro erro é da legitimidade de militares do exército serem responsáveis por este tipo de patrulhamento. O Rio de Janeiro não está mais sob intervenção federal. Logo a repressão ao crime cabe à polícia estadual. O segundo erro é a falsa alegação de que os ocupantes do carro atiraram em direção ao quartel, coisa que não tem nenhum fundamento, já que nenhuma arma foi encontrada entre as vítimas. Ou seja, a ação foi dolosa, excessiva e sem motivo.

Haverá punição exemplar? Disso eu não tenho certeza, pois as investigações serão conduzidas pelos próprios órgãos militares. De tudo isso só fica uma lição: vivemos tempos sombrios, de uma cidadania órfã de tudo: de direitos, de dignidade, de respeito. E ainda some-se um agravante, as vítimas são pessoas negras, como as tantas outras pessoas e corpos negros que se tornam alvos de um Estado racista e violento.

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